A casa de habitação rural é um tema essencial na compreensão do território tradicional edificado do concelho da Madalena, onde uma forte componente doméstica e residencial se complementam com as construções utilitárias, de apoio à atividade produtiva, principalmente vinhateira, mas também com outros conjuntos existentes, representativos do valor e quotidiano do mundo rural picoense.
Graças ao isolamento de alguns aglomerados, é ainda possível encontrar vestígios de habitações originais, que atestam a característica mais evidente e que marca as diferentes tipologias das casas rurais e urbanas do Pico: a cozinha. As diferentes posições ocupadas por este compartimento eram variadas: desde logo, a cozinha separada da casa até à cozinha adjacente ao corpo principal da habitação.
A cozinha integrada, por via da planta linear, é visível por toda a ilha, com as divisões dispostas em linha reta e com os vãos alinhados na fachada. Esta tipologia deu origem a uma outra: a da casa com a cozinha sobrelevada – que coloca a cozinha num corpo separado –, ou seja, com o telhado levantado relativamente ao restante corpo da casa, onde as águas podem ser paralelas ou perpendiculares às do corpo principal. É nesta tipologia que se enquadra a “Casa do Missionário”, refletindo o tipo de casa tradicional rural mais habitual na ilha, com a cozinha adjacente ao corpo principal de dois pisos tendo, por debaixo do quarto, a loja que servia para arrumar pequenas alfaias ou abrigar os animais de trabalho (a vaca ou o boi). A existência de um piso inferior com esta valência tornava o quarto mais acolhedor. Com a cobertura sobrelevada na zona do forno e do lar, a cozinha destaca-se do resto da habitação, conformando um "L".
Nas casas rurais, a cozinha é a divisão mais importante da habitação. É neste espaço que acontece todo o movimento do dia a dia. É o local onde a família se reúne, come, reza e trata dos seus assuntos. Neste compartimento o chão era em terra, sendo mais tarde utilizadas lajes de pedra para o pavimentar. As cozinhas, geralmente, não possuíam chaminé. O forro do teto, em madeira não sobreposta, possibilitava a saída do fumo. Na sua cobertura era colocada telha de canudo e as paredes, na sua maioria, não eram revestidas. O reboco interior surgiu posteriormente, para impedir a passagem do frio.
Nas cozinhas rurais podemos encontrar inúmeros utensílios com funções bem distintas. Nas traves do teto penduravam-se as alfaias agrícolas mais usadas, como o alvião, a foice, o pique e a foicinha. Pelos cantos emborcavam-se cestos e alguidares. Os grandes serviam para amassar o pão, os médios para lavar a roupa, a louça e para a higiene. Mas existia um alguidar único para cada função!
As cozinhas correspondiam a modelos muito próprios, no que diz respeito à sua organização espacial. Junto ao frontal – parede de madeira que divide a cozinha do quarto de cama – encontrava-se a mesa, de pinho ou de criptoméria, que continha a única gaveta que existia nessa divisão e que era utilizada para guardar os talheres e também as sobras de comida. Em redor da mesa corriam-se bancos. Pendurada na parede mais próxima existia a copeira, que era o lugar onde se guardava a louça das refeições. No lado oposto à mesa, junto a uma das janelas, existia um espaço destinado à higiene: com uma selha de madeira, a aranha lava-mãos e um pequeno banco. Era ali que o homem calçava e descalçava as suas botas de trabalho.
Junto à porta de entrada, que dava acesso ao quintal, estava o talhão de barro, utilizado como reservatório de água e também como câmara frigorífica. Sobre a sua tampa colocava-se um púcaro de barro que servia para retirar a água. Defronte, junto à empena da cozinha e, geralmente, em frente a uma pequena janela construía-se o forno a lenha. E, na sequência deste, o poial do lume e o da amassaria. Era neste recanto da cozinha, junto destes poiais, que a mulher passava a maior parte do dia, preparando e cozinhando os alimentos. O poial do lume, onde se acendia o fogo, ficava junto à boca do forno. Aqui se colocava a trempe, sobre a qual se punha a panela de ferro a aquecer a água ou a cozinhar os alimentos.
Os poiais ficavam junto às chaminés e, de um modo geral, no canto mais escuro, tendo um significado especial para os habitantes, pois era o lugar de onde saía o calor que aquecia toda a habitação. Sobre eles existiam prateleiras com terrinas, tijelas, chaleiras, sertãs e, penduradas nas paredes, as frigideiras e colheres de pau. Do outro lado, junto ao forno de lenha, no chão e encostadas à parede, a pá do forno, o varredouro e o esborralhador.
Todos os espaços vagos que existiam nas cozinhas eram ocupados por algum utensílio, como a tábua de tender o bolo, os bancos de assentar os candeeiros a petróleo, a boleira – que ficava suspensa por cima da mesa e era onde se guardava o pão e o bolo, e até o queijo –, e as peneiras penduradas pelas paredes.
Entrando no corpo principal da casa rural, temos acesso direto ao quarto de cama. Este era o compartimento que carecia de maiores cuidados aquando da sua construção.
Nas casas rurais, o quarto de cama era um compartimento acolhedor visto ser o espaço onde nasciam os filhos, morriam os pais e os avós e onde os doentes passavam muitos meses e, por vezes, anos. Não tinha muito mobiliário, apenas o necessário para a sua principal função e aconchego. A cama de casal é sem dúvida uma peça importante na vida familiar, sendo, na sua maioria, feita com madeiras que existiam na ilha, especificamente o pinho, o vinhático, o castanho, a acácia, o mogno e até o incenso. Com a emigração para os Estados Unidos da América, as camas de madeira começaram a ser substituídas por camas de ferro. A cama era composta por dois colchões, feitos de linhagem confecionada nos teares, e o seu enchimento de folhas e cascas de milho.
Outra peça muito comum na casa tradicional, é a cómoda, a qual começou a fazer parte do mobiliário da casa rural muito mais tarde. Até ao seu aparecimento utilizava-se uma mesa com apenas uma gaveta, coberta com uma toalha branca, onde se colocavam as jarras, o candeeiro a petróleo e um pequeno oratório ou redoma com algumas imagens. À sua frente colocava-se um tapete de retalhos ou de espadana, que confortava os joelhos na oração. Quando a cómoda surgiu, era considerada uma peça de mobiliário de apreço, visto servir apenas para colocar os objetos que tinham de maior valor.
Por fim, mas não com menor importância para a vida quotidiana de então, encontramos ainda no quarto, peças como o baú de madeira, onde se guardavam as poucas roupas do dia a dia; o bacio, que era arrumado debaixo da cama; e a um canto, a aranha de ferro com o jarro e bacia, para lavar o rosto e as mãos.